segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012



É quase noite, mas ainda tenho tempo de ir à biblioteca, quero sempre lá ir, por muito tarde que seja. Passo o corredor, subo as escadas, a porta ao lado da grande sala de banquetes é a da biblioteca. Um espaço quase sempre fechado, da altura de dois andares, imenso como uma avenida, as paredes transformadas em estantes sem um único espaço livre; multicolores pelas lombadas, possantes pela espessura dos volumes. Agora, não me importo se chega a noite e tenho de ficar aqui mais tempo do que devo. Dirijo o escadote rolante até ao primeiro canto, e vou percorrendo, com agrado, as listas dos títulos, dos autores, às vezes misturando palavras e inventando obras que a fusão de dois génios inigualáveis pudesse concretizar. A Divina Antígona; O Corvo de Abrantes; Ralph Waldo Heidegger; Marco Túlio de Assis; Sócrates, o rei sol; Padre António Garrett. Da impossibilidade inicial, da quase recusa automática pela estranheza da associação de alguns, acorre logo toda a potencialidade hipotética dessa eventual realidade, e começo, em ideias soltas, a unir versos distantes, a completar frases de um mundo com palavras de outro universo, vejo a Virgínia Wolf a impedir o suicídio da Florbela para lhe antecipar o seu; o Almada a por as mãos á cabeça para não as por no pescoço do Dantas; o Reis chocado com o humor sarcástico do Campos; o Marquês a passear com o Inigo em Loiola. Mas interrompo subitamente estes pensamentos quando dou conta do patrão a olhar-me para baixo da saia e a perguntar quanto tempo demoro para limpar o pó dos livros.

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