Naqueles dias, o sol clareava com o seu calor as cores fortes e nítidas do jardim por onde costumávamos passear pela tarde. Em passo lento, a tua mão pousada no meu braço e o ritmo igual dos pés que com vagar se sucediam, e num ou noutro canto um criado que se prontificasse a receber alguma ordem nossa. Só o resfolhar do teu belíssimo vestido fazia som suficiente para igualar os esparsos pássaros que dançavam de árvore em árvore, ou as pequenas frases que trocávamos. Éramos monotonamente felizes, e por isso éramos tudo menos felizes. São imagens desse tempo que me ajudam a distrair das grandes tormentas que vou passando aqui no novo mundo para onde fui levado depois de morrer. Demorou perceber que morrera, demorou perceber por que leis se rege este lugar - e acabei por me adaptar à dor. Deve haver também um lugar onde as pessoas são felizes, deve haver também maneira de se voltar para a Terra: mas por agora quero desfrutar do conforto que tenho conquistado aqui, já há um certo respeito por mim, o governador deste lugar tem-me convocado mais vezes que o normal para fazer parte da comissão de acolhimento aos recém-chegados. E foi precisamente uma dessas almas perdidas que me deu uma notícia que me tem deixado profundamente abatido. Não sei como essa velha mulher (que nunca mais vi) soube que eu e tu nos conhecemos, e que fomos o que fomos, mas ela, assim que me viu, disse-me que tu estavas na Terra, agora longe do país onde tu e eu fôramos brandamente alegres - e que eras infeliz. Que tudo na tua vida se entrançava de forma a complicar ainda mais os teus dias, que acabavas sempre por ficar longe dos que amas, e rodeada de pessoas que desejavas nunca ter que conhecer. Que ninguém te dava o devido valor, que não tinhas satisfação em nada, e que só com grande sacrifício conseguias, de tempos a tempos, sorrir. Foi esta notícia que me tem andado a ponderar seriamente deixar este sítio onde afinal tanta gente sofre (e onde eu sobrevivo à custa desse sofrimento), e passar o que for necessário para prover que sejas feliz. Tenho de ser capaz de te devolver algum alívio de tudo o que estás a viver, e para isso tenho que mudar, tenho que pelo menos voltar à Terra. Que há para fazer?
terça-feira, 29 de setembro de 2009
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