Não quero ser igual aos outros porque não sou igual aos outros. Não tenho tendência para as mesmas atitudes, para as mesmas conversas, para a mesma forma de ver o mundo. Como se em cada objecto que esteja em cima da mesa eu visse, abstractamente, todos os seus componentes, depois os seus átomos, depois o fluido universal, tudo em movimento no corpo inerte. Como se em cada palavra eu visse todas as linhas das letras, os vazios abissais dos seus espaços, e cada bocado de tinta, com que o ar se vai colorindo enquanto caminha para fora do corpo moldado em palavras, tivesse em si todos os arco-íris mesclados de todas as filosofias. Como se cada acção fosse o jogo inconcluível de uma luta titânica entre as forças de todo o universo, trazidas desde os começos do tempo e lançadas, a partir dos confrontos do presente, até ao futuro incerto. Como se a vida toda que levamos fosse (e é) a sentença que a nós mesmos imputámos antes de nos entrosarmos com o animal a que chamamos de nosso corpo, e portanto cada coisa mínima, cada coisa de grande impacto, cada detalhe de um grande quadro, e o próprio quadro, tudo tem tanta importância como tudo o resto, porque tudo importa, tudo tem atrás de si a revelação de séculos da história de cada um de nós que vieram desembocar, por nossa causa, naquilo que acontece agora, bom ou mau; e a nossa atitude perante o que há de nós, em nós, e para nós irá para quando o futuro não o for mais. Na minha mente, por isso, está sempre tudo, e seria pelo menos natural que, à chegada de novas informações, as anteriores desaparecessem; mas as que se apeiam no terminal da minha alma acumulam-se à grande multidão que já lá está, envolvem-se agressivamente uns com os outros, degladeiam-se por um bocado de espaço e desordenam tudo. Há os que, ainda dentro dos comboios em que chegam depois de partirem da terra real, vêem que vão para um sitio caótico, carregadíssimo, que serão certamente esmagados por tanta gente; e por isso assim que saem, em vez de irem para o chão, lançam-se sobre os outros, como quem se atira para um colchão, derruba alguns, magoa outros, mas é também depois violentado, por retaliação, pelos que foram afectados por ele. O pequeno espaço acima dos meus olhos e entre as minhas orelhas é uma cornucópia não do leite e do mel com que o deus se fez homem, mas de todo o mundo num rodopio. Um mundo que sobrevive porque é abençoado pela luz brilhante do melhor sol que existe, um sol alimentado pelos teus olhos. Mas às vezes o céu está mais nublado, depois chove, há vento, há inverno. Bom mesmo é o verão, o sol está mais perto, por vezes excessivamente perto, o seu calor percorre-nos e agita-nos, o sangue atravessa desabridamente o corpo frágil, e nada acontece como deveria. E depois começa tudo de novo: e é mais uma pequena gota a engrossar o vastíssimo oceano com que vai cheio o cálice da minha mente.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
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