quinta-feira, 17 de maio de 2012

JL 1082


Lembro-me de uma das primeiras vezes: a mãe a corrigir uma coisa que eu tinha dito mal, e eu a revoltar-me porque queria dizer o que estava a pensar, e a boca ainda demasiado infantil para te caber. Mas já aí, desde aí, desde sempre a tua presença em mim. E desde sempre isto. Isto, a tua cacofonia eufónica, com que as letras duras das tuas palavras reproduzem o lirismo dos nossos cérebros adoentados pelo calor do sol que, mesmo nos dias de chuva e no pico da noite, define a estranheza da nossa visão do mundo. Isto, a emoção impossível da tua música. Isto, o prazer de te escrever. Só nós, os que recebeste na intimidade da tua casa, sabemos o valor imenso da tua riqueza; só nós sabemos porque te amamos, e nunca alguém que tenha casado o seu passado com outro falar poderá ter a noção de tudo o que és. Pode visitar-te, viver contigo para sempre, mas só nós, que trabalhámos o espaço agreste da Razão com as tuas ferramentas subversivas, te conhecemos quase tão bem como tu a nós. Tu, filha da língua dos Romanos, nascida da sua união com as cores selvagens dos cereais fecundos e da magia terna do mar quase insular, és a pátria que Pessoa identificou para todos nós, mas és também a nossa terra, a nossa origem; o corpo provém do corpo, a alma cresce contigo.

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