domingo, 21 de agosto de 2011

A Poesia do Soffrimento


Minha alma robusteceu-se nas lides do pensamento; tornou-se de marmore; e agora, vigorosa e forte, não ha paixões que lhe imprimam um vestigio, espinhos que lhe façam verter uma gotta de sangue...

Guilhermino Augusto, in O Instituto (1822), pp.  23

sábado, 20 de agosto de 2011

Poesia Dramatica


Mas a arte dramatica achava-se ja muito decahida do seu primitivo explendor, quando Antiocho Epiphanes introduziu na Grecia os jogos dos gladiadores, que faziam ha longos tempos as delícias dos Romanos. Desde esse momento o povo atheniense affez-se áquellas scenas de matança, regosijou-se com os ais dos moribundos, com o sangue que tingia o circo, e a poesia dramatica morreu para sempre na Grecia.

Alexandre Braga, in O Instituto (1852), pp. 29

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Tibet



A Soledade


De quanto cobre o sol nada appeteço,
Ao mundo inteiro cousa alguma peço.

Lamartine, 1ª Meditação Poética, in O Instituto (1852) (trad. de F.)

terça-feira, 16 de agosto de 2011



Sentado na bicicleta, os dois pés no chão, o rapaz conversa a ternura de palavras doces para a rapariga imobilizada pela emoção de o ouvir. Estão no portão do pequeno muro que delimita a casa que os pais dela construíram na terra herdada pelos avós; falam os dois, baixinho, quase escondidos pelas árvores pequenas que, do lado de dentro, acompanham o muro. A pele escurecida de ambos atrai-os um ao outro, o brilho dos olhos dela, a inocência do seu cabelo solto sobre os ombros e a ligeireza das suas roupas; ele, de calções caídos na cintura até ao joelho, o cabelo picado de gel, e a camisola preta de cavas que realça e melhora o corpo do seu trabalho na empresa de pequenas construções do pai. Nada mais acontece naquele momento senão as palavras que pouco importam diante dos sentimentos que se trocam; nem os vizinhos a disfarçarem mal que os estão a ver, nem os carros estupidamente excessivos dos emigrantes, nem o sol doentio do Verão. Importa-lhes apenas estarem juntos, todas essas preocupações só haveriam se o desejo não as superasse. Continuam a conversa da noite anterior, começada quase inesperadamente por entre a multidão que dançava e acompanhava a banda regional nos festejos da padroeira local. Embora vivessem perto um do outro, nunca houvera um impulso para estarem juntos; e nessa noite, enquanto as famílias de ambos se divertiam na reunião dos parentes que vieram do estrangeiro, e se copiavam grosseiramente êxitos musicais de outras décadas, eles encontraram-se a meio caminho entre o balcão das bebidas e o carro das pipocas: e um despertar ígneo se apossou do peito dele, do estômago dela, que os obriga a estarem juntos hoje. A paixão que os atrai durará os primeiros anos da sua relação; depois estarão juntos mais alguns anos por comodismo e habituação, até porque as suas famílias os obrigam; trair-se-ão mutuamente na busca de sensações novas; ela acabará por engravidar, e o casamento virá compulsivo. A filha deles, no portão da casa, estará, numa tarde quente de Agosto, a sorrir de prazer para um jovem a quem ela agrade.

domingo, 14 de agosto de 2011

O Poeta


Os hymnos tão suaves, tão cheios d'uncção, tão intimos, que os psalmistas das cathedraes de Hespanha repetiam com enthusiasmo, eram como o respirar tranquillo do somno da madrugada que vem depois do arquejar violento, do gemer doloroso de pesadello nocturno.

Alexandre Herculano, Eurico, o presbytero (1847), pp. 18

É um estado de convalescença. Há uma guerra dentro de mim, como se fosse a cura de uma doença, mas não daquelas de que os médicos se dizem especialistas. Esta doença não tem cura porque não é uma doença. Estou na sua convalescença, mas sei que voltará, sei que em breve estarei de novo sob o efeito da sua febre, com os delírios próprios desse estado doentio. Imaginar-me-ei igual aos outros, e julgarei que sou possível como alguém, iludir-me-ei com a fantasia de um futuro vulgar, ao lado de alguém que me ame com o amor com que as pessoas normalizadas se costumam amar. Mas depois tenho de tratar novamente dessa doença, amainá-la, reduzi-la para não se alastrar a níveis que ponham em risco o que de mim há ainda são. Sei que dentro de pouco tempo haverá outro rosto, que o parasita que habita em mim (e que sou eu próprio) acordará outra vez, e será necessário aplicar-lhe novo tratamento para a guardar até à vez seguinte. Estou em convalescença de ti.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Extasis



E é pois assim absorto, delirante,
Que eu vejo alguem, imagem vaporosa,
- Cabellos negros, faces côr de rosa -
Passar como uma sombra vacillante.

É pois assim, assim é que eu a vejo,
É assim que eu lhe quero e que eu a adoro;
E sei então que vivo porque choro
Beijando a sombra, que mais nada beijo!

João Maria de Santiago-Prezado, Primeiros versos (1902)

Um beijo



Estaria eu apaixonado por Miss Ellen? Mas Miss Ellen não tinha metade da minha idade, Miss Ellen era uma criança ainda! Procurei dominar-me, analizar-me, compreender-me, - e tive, então, pavor de mim mesmo. Não. Não havia dúvida. A velhice chegára, com o mais terrivel dos seus sintomas. O que me perturbava em Miss Ellen não era a beleza, era a mocidade; não era a mulher, era a criança. Eu tinha tantas vezes observado nos outros essa primeira manifestação de decadência, que não me foi difícil surpreendê-la em mim próprio. A predilecção amorosa pelas raparigas muito novas, essa «voluptuosidade da candura», que marca no homem o princípio da velhice, aparecera em mim, súbitamente, doentiamente, com o prometido beijo de Miss Ellen.

Júlio Dantas, Ao ouvido de Mme. X (1915)

A Fonte do Amor



Cheguei a velhinho, ainda lá bebia...
Outros chegavam p'ra beber;
E eu, sempre a beber também, dizia:
É mentira! é mentira! Esta agoa faz soffrer!


Afonso Lopes Vieira, Para quê? (1897)