quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Pagaram-me uma quantia considerável desse metal vilmente precioso, a que chamam dinheiro, por ceder os meus melhores escravos, aqueles com mais capacidades atléticas, para o espectáculo da morte no anfiteatro de Roma. Não fui assistir ao dia em que eles actuaram (e em que foram mortos) - estava um calor daqueles que chamam para uma boa temporada de ócio no campo, e por isso passei umas semanas na minha vila, longe do ruído da cidade. Só me lembrei deles uma vez, no caminho, ao ver os outros escravos que me acompanhavam: não me tinham faltado à fidelidade, haviam sempre obedecido ao que lhes mandava, eram capazes de dar a vida por mim e pela minha família - mas eu já estava farto das caras deles; queria agradar ao novo imperador; e depois, tudo o que rende dinheiro é sempre bom: aproveitei e comprei novas escravas, algumas já adultas, mas a maioria naquelas idades em que o corpo ainda é tenro e delicado. Os cabelos louros, quase brancos, e a pele lisa das bárbaras do norte longínquo deixavam-me sempre perdido de desejos. Gozei, portanto, de uma estada aprazível na minha casa de campo, com as minhas novas aquisições, e nunca mais me lembrei dos que vendera. Trezentos anos depois, era enterrado vivo no gelo invencível da Sibéria, acabando-se uma vida carregada de sofrimento e nulificação às mãos de senhores sem escrúpulos. Começava aí o cumprimento das muitas dívidas que ajuntei; hoje, faltam ainda tantas...

Sem comentários:

Enviar um comentário