sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Duas dezenas de minutos à tua espera e continuas sem existir. De todos os lados: das ruas que fogem desta esquina para o infinito da noite; dos elementos móveis, mecânicos ou orgânicos, que trocam rápida e individualmente de lugar no espaço; na ininterrupção de tudo - há o dizer-me constante da tua ausência. Não estás ausente por partires, nem por ainda não teres chegado: estás ausente porque és ausente. O mundo inteiro dobra incessante a linha que os homens sonham à volta do sol, continuará a fazê-lo por mais algumas vezes, e todas essas vezes em que eu vou ter noção disso (presente ou latente) tu não serás. Houve um tempo na minha vida em que sabia da tua existência nos outros, mas era uma coisa tão própria dos outros que te via como um adjectivo deles; os outros eram os outros, e nos outros havias tu. Depois descobri a noção de que eu era, para os outros, uma parte dos outros de que eles não faziam parte. A ingenuidade com que a verdade era recebida por mim destruiu-se a partir do momento em que me desenvolvi pessoa. Evoluí de ser apenas as imagens que passavam no filme do mundo para ser um volume, algo que ocupa espaço e tempo e consome recursos. O desenho que fugia do espelho e que era eu era também carne e osso como todos os outros corpos viventes. O que eu fazia também eles podiam fazer, e eu também podia fazer o que eles faziam. Mas as coisas não funcionam assim... Os outros fazem o que podem fazer porque tu estás neles, com eles, partilha-los. Sou igual a eles em tudo, excepto que tenho uma leveza mais pesada: não estares na minha vida é fisicamente um alívio da massa interna e externa, mas é um pesar constante no coração. Mesmo nos outros em que não reside ainda a consciência de existirem - aí te encontro, à distância a que posso, e aí te vejo vigorar em toda a tua amplitude; comigo é que tens essa atitude de afastamento, melhor, de desaparecimento, toda a vez que me procuro aproximar de ti. Porque houve um tempo, houve vários tempos, houve muitas voltas à volta do sol em que eu andei às voltas em torno de mim mesmo, e quando devia ter-te nutrido em mim sequei as tuas raízes no meu coração. Agora colho o deserto, ainda que rodeado da fertilidade com que te fazes presente nos outros. Fui pródigo de ti, e agora estou naquele momento em que o filho, na parábola, acordou no meio da miséria e, antes de partir para a casa do pai, e antes mesmo de decidir partir, se examinou a si mesmo e foi o seu próprio juíz no julgamento em que reviveu todos os seus excessos. E nesses excessos descubro que não foi apenas contigo que arranquei as folhas para passar sobre elas, e que arranquei os ramos para me sentar sobre eles, e que desfiz as raízes porque destoavam no meio do prazer da aparência. Mas neste momento, tenho que tratar da remissão para contigo.

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