quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Quando soube que em ti se dava o milagre da vida, a alegria foi imensa, preencheu-me o ser, trouxe-me novas razões para viver. Passávamos os serões a projectar futuros, e as nossas bocas eram ternuras e carinhos que ansiávamos por lhe poder dar. Desde sempre o encarámos como a expressão humana do nosso amor, e tudo o que ele fosse no tempo que lhe fora dado seria sempre o reflexo do que era o nosso amor, sem as ilusões do comodismo que nos enganassem. As nossas vidas eram a vida dele, fazíamos os nossos horários, geríamos os nossos compromissos em função dele. Os nossos tempos livres eram para que ele fosse feliz. Não o carregávamos de mimos nem lhe cumpríamos as vontades todas, mas o sorriso na cara dele era a nossa satisfação. Demos-lhe o melhor que tínhamos. Cresceu com a sensibilidade e a inteligência da mãe, e soube aproveitar os fracos momentos em que o pai descia à realidade. Aprendeu comigo a desconstruir as ideias pré-estabelecidas, mas aprendeu contigo a criar as suas próprias ideias sem a influência de ninguém. Comigo foi diferente; contigo foi superior. Às vezes, quando o íamos buscar à escola, enquanto ele vinha ter connosco, o meu braço em volta dos teus ombros era mais intenso, e o meu sangue era um arco-íris de cores maravilhosas. Agora, não tenho sequer força para estar de pé. Diante de nós, o corpo do nosso filho a apodrecer na morte. O teu rosto desfigurado por um pranto indescritível - não há palavras. Não pode haver pensamento, sentimento, a Razão que faz de nós bichos pensantes, tudo isso morreu com ele. A sua morte é o morrer de uma parte de nós, mas fica a lucidez crua e permanente para sentirmos sempre a ausência do que se perde. O meu coração é uma bola de mágoa que asfixia o peito, e do imo do ser efervesce uma náusea, como se também as entranhas agonizassem com o peso da dor.

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