domingo, 4 de outubro de 2009

Estas pedras toscas em que me sento, que se multiplicam às centenas por esta terra de areia áspera e seca - outrora tudo isto foi lindo, foi magnífico; em tempos houve aqui um grande templo, à volta do qual floresceu uma grande civilização. Agora só restam as suas ruínas. Nesse templo imenso, coberto de ouro e zelado por infinitos sacerdotes, venerava-se a deusa-mãe, a entidade a quem se atribuía a criação de tudo, desde o bichinho mais pequeno até aos grandes astros distantes do Universo. A vida de toda esta gente passava em função dos rituais de devoção e culto a essa deusa, e para poderem identificá-la melhor compuseram-na à imagem dos homens; mas como era a perfeição, fizeram-lhe, nos blocos de pedra, a representação mas perfeita do que pode ser um ser humano sem defeitos. Esse povo vivia na esperança da vinda dessa mãe, dessa origem imaculada, até junto deles; constantemente lhe rogavam a pedir que viesse, precisavam pelo menos de uma prova da sua existência, não era apenas o mundo, era também a razão de aquele povo viver, que queriam ver explicado, demonstrado de forma divina. Esta esperança e esta expectativa aumentavam ainda mais sempre que o oráculo do templo afirmava que essa deusa, na sua forma mais pura, estaria um dia no meio de todos nós... O tempo passou, a divindade foi adiando sempre a sua visita, e o seu povo foi-se deixando levar pela adoração de deusas mais inferiores, que garantiam a fascinação de se manifestarem de forma mais concreta, de serem mais imediatas nas respostas aos pedidos que lhes eram feitos. Algumas tiveram os seus profetas, e também as suas próprias aparições. Aquela deusa primordial foi caindo no esquecimento, até se extinguir qualquer réstia da devoção que, outrora, o povo lhe reservara. Como os homens são impacientes! Perderam-se no amor de deusas que não tinham a mesma importância, a mesma elevação que a deusa mais perfeita que dantes adoravam; estas pequenas divindades eram interesseiras, manipuladoras, egoístas, e emocionalmente sádicas. Nunca a outra desceria tão baixo... Mas essas pelo menos eram palpáveis, havia provas da sua existência. Os homens não souberam esperar por ti, que decidiste vir agora com esse corpo perfeito e sem impurezas que só tu podias ter. És tu, é o teu rosto que encontro nas estátuas em ruínas deste lugar que sou eu.

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